segunda-feira, julho 05, 2010

LABANTA BRAÇO BU GRITA BU LIBERDADI


No dia 5 de Julho de 1975, estava eu de férias na Cidade da Praia e nessa manhã tinha ido, na companhia da minha mãe e da minha irmã para o Estádio da Várzea assistir às comemorações da Independência de Cabo Verde.

O dia estava inicialmente cinzento, mas à medida que avançavam as horas, foi saindo um sol lindo, radioso, brilhante, um sol participativo, como se soubesse que esse dia era um dia especial para todo um País.

As comemorações atrasaram-se mas o sol continuou o seu caminho em direcção ao pico do céu, o que fez com que pouco tempo depois se tivesse tornado abrasador e incomodativo.

Após alguns discursos infindáveis dos protagonistas da festa, baixou-se a bandeira portuguesa e subiu-se aquela que foi a primeira bandeira cabo-verdiana. Um avião militar passou pelos céus a baixa altitude largando rosas vermelhas.

Por esta altura eu já sofria de uma sede descomunal, que tinha vindo a aguentar ao longo das horas passadas debaixo do sol abrasador que se fazia sentir.

Por estar já bastante incomodado e no limiar de um desmaio, pedi à mãe que me deixasse sair daquele sítio e dirigir-me a uma casa qualquer na vizinhança para pedir um copo de água. Concedida que foi a licença, saí do recinto de futebol o mais depressa possível, pedindo licença aos milhares de outros indivíduos que também se encontravam presentes.

Enquanto as tropas desfilavam num vai vem ora português ora cabo-verdiano, eu fazia um corta mato desesperado por entre as árvores que separavam o estádio da estrada da Central Eléctrica, em direcção a umas casas próximas com a intenção de pedir um pouco de água para acalmar a garganta ressequida e cheia de pó acumulado durante as horas que passara no campo de futebol.

Mas a sorte não estava do meu lado. Na direcção que tomara em busca da salvação molhada, direcção essa instintivamente a de casa dos meus pais na Prainha, havia poucas casas. Poucas e vazias. Como seria de esperar, todo o cabo-verdiano encontrava-se no estádio de futebol.

Passados vinte intermináveis minutos, já na estrada que bifurcava para a subida da Achada de Santo António, vi por entre as árvores do meu lado direito, uma casa típica de porta ao meio, uma janela de cada lado e telhado vermelho e, pedindo a todos os Santos e mais algum para que tivesse sorte dessa vez, dirigi-me a essa casa, não sem antes ter que subir um lance de escadas que me pareceu interminável.

Bati à porta. Voltei a bater. Desesperado com a ideia que teria que ir parar à Prainha para poder beber água e para isso teria que atravessar parte da Praia da Gambôa para que o caminho fosse mais curto, voltei a bater. Eis que se abre a porta de madeira e aparece uma senhora já de idade avançada e cabelos grisalhos, a quem pedi encarecidamente um pingo de água. A senhora pediu que esperasse um minutinho, encostou a porta e foi buscar o precioso líquido.

Pouco tempo passado, a porta volta a abrir-se e a velhinha aparece com um sorriso nos lábios e uma caneca de alumínio na mão cheia até à borda de água límpida, saborosa e… gelada!!! Super gelada!!! “Articamente” gelada!!!

O primeiro golo de água congelou literalmente a minha garganta.

A senhora, muito simpática, perguntou “quem são as tuas gentes?” Eu, de olhos esbugalhados e cheios de água, tentava desesperadamente disfarçar o incómodo, responder à senhora e matar a sede. Ainda tentei um segundo golinho de água o que só veio piorar a situação. Após breves momentos, consegui controlar a situação, consegui explicar quem eu era e consegui arranjar coragem para devolver a caneca praticamente cheia.

“Então não bebes mais?” “Não, muito obrigado, era só para molhar os lábios… Obrigado.”

Sentindo um desalento enorme, despedi-me e dirigi-me pesarosamente para a estrada que me conduzia a casa, conseguindo reunir forças para arrastar as pernas. Uma vez chegado a casa, liguei a mangueira de regar as plantas à torneira do quintal, sentei-me no chão, levantei a mão que segurava a outra ponta do tubo por cima da cabeça e abri a torneira…

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