terça-feira, abril 21, 2009

CARTA ABERTA

Carta Aberta


Exm.º Senhor-Engenheiro-José Socrátes

João, chamado Mariano, pela vontade de seus pais, Laura e Gabriel, dirige-se a V. Ex.ª com a devida vénia e desde já deseja que a paz e a sabedoria esteja entre vós.
Pois bem, esta humilde missiva serve para lhe colocar as seguintes questões e formular um pedido:

1- Vivo num país, que não é tropical, mas encontra-se em autêntico caos, não no sentido filosófico do termo, como o princípio do Universo, mas no sentido de balbúrdia, desordem, confusão. Vejamos:
a) no meu país os banqueiros e gestores desonestos quando vão à falência o Estado dá-lhes a mão, por outro lado, quando uma pequena empresa se encontra em maus lençóis não há solução;
b) os professores estão zangados, os enfermeiros fazem greve, não existem médicos nos Centros de Saúde e a Justiça e os Tribunais não funcionam; c) em suma: toda a gente reclama, o povo faz manifestações, o desemprego é como piolho em costura, veja bem, dizem que a última contou com 200 000 manifestantes.

2- Há dias, Senhor-Engenheiro, contaram-me um caso de uma certa investigação, aqui entre nós, com a duração de quatro anos, leu bem, quatro anos, continuando, parece-me que o investigado será o Primeiro-Ministro do meu país, que terá sido em outros tempos, Ministro do Ambiente. Pois bem, os investigadores vieram a publico afirmar que sofreram pressões, mas não disseram que tipo de pressões, nem quem os pressiona. Como calcula ficámos que nem baratas tontas e zonzas. Mas para tranquilizar o nosso espírito (sabe o Xanax tem tido uma saída espectacular, é mais barato que um complexo vitamínico) o chefe dos investigadores anunciou com pompa e circunstância, que nada daquilo era verdade, estava tudo na santa paz de Deus, que de pressão precisavam os pneus dos carros. De imediato, fui verificar a pressão dos quatro pneus do meu carro. Todavia, e, para que dúvidas não se suscitassem, iria investigar os investigadores. Foi uma alegria Senhor-Engenheiro, ouvir o chefe dos investigadores, pois a graça é tanta na tristeza deste país.

3- Como V. Ex.ª está sempre a sorrir, olhe quando ligo a televisão e vejo a sua cara de alegria exprimindo um sentimento de benevolência para com os seus adversários, todo o peso e desespero que carrego comigo desaparece, mas como estava a dizer, a propósito do seu sorriso, gostaria muito de ir viver para o seu país, pois, conforme lhe disse, o meu país encontra-se numa autêntica balbúrdia. A título de exemplo dê uma espreitadela neste texto:

«O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: o país está perdido!»

Isto, Senhor-Engenheiro-José Sócrates, é datado de 1871, tendo sido elaborado através do punho viril e lúcido de Eça de Queirós, no primeiro número de "As Farpas". Pois é: 138 anos, parece que foi hoje.

Como vê Senhor-Engenheiro o meu país está perdido, naufragado, esquecido, condenado por uma doença muito antiga: imbecilidade e inércia. Desculpe este desabafo Senhor-Engenheiro, tenho tanta precisão de me expandir.

Que a graça e o amor que tem por si esteja connosco, regozijai-vos, sede perfeito, sede de um mesmo parecer. Aleluia, todos os santos vos saúdam.

Sem outro assunto de momento, fico à espera, que V. Ex.ª me dê notícias convidando-me para ir viver para o seu país.

Ano da Graça de 2009 D.C.
E.D.
O Cidadão João Mariano

Post Scriptum: Junto um mapa-múndi, com um X no meu país, caso V. Ex.ª tenha dificuldade em encontrá-lo.



Imagem: Wikipédia

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