quarta-feira, abril 25, 2007

ALCINDO MONTEIRO

Alcindo Monteiro (caboverdeano morto de morte matada, Bairro Alto, Lisboa)

Hoje o promontório de Sagres
mostrou a sua face
Hoje o usurpador regressou.
A lua ia alta no céu
tinha sabor amargo, a lua,
quando a pata do mostrengo
caiu sobre o corpo do Alcindo.
O Alcindo morreu.
Hoje o Alcindo partiu para longe
longe das patas deste premonitório
que há 500 anos vai sugando o sangue
e a gente vai ficando sem horizonte.
Irmão Alcindo Monteiro
quero em ti sentir
a tua mão
o teu rosto
tua mão pelo cimento crispada
teu rosto marcado como se condenado fosses.
A espada do gladiador
Nesta terra não descansou.
A força bruta e a iniquidade
Continuam existindo.
Eis a suprema tentação do usurpador:- a supressão moral e física do outro!
–Essa sede de se elevar a si próprio às nuvens
E de aviltar o outro mais baixo do que a terra.

João Mariano

Homenagem a Baltasar Lopes


Intervenção – Homenagem a Baltasar Lopes
23/04/07

Sr. Presidente da Assembleia Nacional, senhores membros do Governo, colegas deputados

A 28 de Abril de 1974, em S.Vicente, quando a multidão se pôs em movimento para festejar a Liberdade anunciada pelo 25 de Abril todos sabiam para onde se dirigir: a casa do Dr. Baltasar Lopes da Silva. A percepção geral é que esse homem incarnava o momento. O momento da Liberdade. Como se toda a sua vida tivesse sido dedicado à conquista da Liberdade. E como se no limiar do mundo novo que se anunciava ele possuía o mapa do caminho a percorrer.

Hoje, dia 23 de Abril de 2007, Cabo Verde comemora o centenário do mais ilustre dos seus filhos. Cem anos atrás nascia no Caleijão, na ilha de S. Nicolau, aquele que um dia seria o nosso Dr. Baltasar Lopes da Silva, o nosso Nhô Baltas. O Homem Livre, o Homem culto, o Homem íntegro que durante décadas fez a grande caminhada que o levaria a revelar ao mundo a caboverdianidade. Essa nova experiência humana que nos recônditos do império português, no arquipélago de Cabo Verde, emergia vigorosamente não obstante o isolamento, não obstante as fomes, não obstante o medo e a mesquinhez do salazarismo.

Hoje, quando se diz que Cabo Verde era nação antes de ser um pais independente está-se de facto a referir a esse fenómeno novo, essa consciência de si próprio do povo das ilhas que o génio, a perseverança e a tenacidade de Baltasar e de outros ilustres caboverdianos souberam ver, acarinhar e revelar.

Baltasar era um homem livre. Em toda a sua obra não se vê sinais de alguma vez deixar--se prender por alguma ideologia em particular. Numa época em que os intelectuais, particularmente os com vivência em regimes autoritários, abraçavam o marxismo, Nhô Baltas opta por confrontar a realidade sem o conforto enganador de certezas ideológicas. Não acredita em revoluções, prefere usar as armas do Direito para combater os excessos do Poder e os atropelos aos direitos dos cidadãos.

Porque não aceitava ideias feitas sejam elas políticas, sociológicas ou outras conseguiu reconhecer o que de novo despontava em Cabo Verde. Evitou posturas reducionistas de qualquer género ou origem: seja de Gilberto Freire, do movimento da negritude ou dos pan-africanistas. Colocou-se no verdadeiro papel do intelectual que se aproxima do seu objecto com humildade e procura conhecê-lo, revelá-lo, pelo que realmente é, e que não cai na tentação de subordinar a realidade vivida a coletes de força ideológicos, forjados em outras paragens e em outros tempos.

Por isso, a sua obra persiste para além das conjunturas, para além dos desafios que lhe são colocados por necessidades de poder e de afirmação de indivíduos e de grupos. A autenticidade do que revela sobrevive, não obstante o mundo unidimensional criado por ideologias totalitárias, e é reencontrada sempre que ventos de liberdade individual, intelectual e cultural se fazem sentir. Por isso estudar Baltasar, estudar o Movimento Claridoso é essencial para compreender Cabo Verde, é fundamental para a construção de uma identidade que nos afirme neste mundo globalizado e nos permita reconhecer e conservar certas vantagens comparativas. Vantagens essas centrais para a construção da prosperidade actual e futura do país e de todos os caboverdianos.

Baltasar era um homem culto. Com duas licenciaturas, uma em Direito e outra em Filologia Românica tinha os instrumentos para se dedicar ao estudo da realidade sócio cultural e linguística de cabo Verde. A convivência íntima que manteve, décadas a fio, com a Terra e com as suas gentes ficou expressa de forma rica e vibrante na sua prosa e na poesia de Osvaldo Alcântara. A consciência do dever de defender a autenticidade e a originalidade da experiência e da vivência do povo nas ilhas envolveu-o em polémicas públicas sendo a mais célebre a contestação que fez dos escritos de Gilberto Freire acerca de Cabo Verde.

Baltasar Lopes da Silva foi o professor de várias gerações de estudantes que, de todas as ilhas, iam a S.Vicente estudar no Liceu Gil Eanes. Nenhum dos seus alunos se esquece da sua figura imponente circulando entre as carteiras, a erudição com que abrilhantava as suas aulas, a fina ironia com a qual, por vezes, desafiava os alunos individualmente a esmerarem-se no conhecimento das matérias e o temor reverencial que isso inspirava mas que se resolvia na óbvia amizade que tinha para com todos. As suas qualidades de pedagogo são evidentes no elevado número de aprovação nas suas turmas e nas possibilidades que abria para os alunos mais avançados de se revelarem e se distinguirem. A todos inspirava pelo rigor do seu pensamento, pelo seu amor feroz pelo conhecimento e pela cultura clássica e humanística e pela sua postura inequívoca de caboverdiano pleno, interveniente no seu meio e reconhecido pelo mundo lá fora.

Baltasar Lopes da Silva era um homem íntegro. Viveu grande parte da sua vida sob regimes autoritários e totalitários: primeiro o salazarismo e depois o partido único pós- independência. Nunca se deixou vergar. Nunca deixou de intervir. Nunca abandonou a sua terra e as suas gentes. No discurso que fez no dia primeiro de Maio de 1974, do alto do balcão da Câmara Municipal de S.Vicente, disse a propósito de sobrevivência em tais regimes: A luta não se trava sempre ostensivamente. Há muitas formas de lutar. Quando não se pode lutar abertamente, por motivo de barreiras e pressões intransponíveis, também é lutar, adoptando uma vida digna, uma vida de interiorização, de procurar estruturar o pensamento para que quando a força bruta passar, podermos ficar inteiros, de cabeça fresca e coração lavado.

A efectividade da luta que põe em relevo nessas palavras de grande humildade é reconhecida pela PIDE, a polícia política de Salazar, quando diz numa das múltiplas referencias a Baltasar: O Dr. Baltasar Lopes da Silva é um indivíduo extremamente sagaz e muito culto – dizem que o expoente máximo da actual cultura caboverdiana – e mercê disso desfruta de um prestígio que o diviniza aos olhos dos seus patrícios. Tudo ou quase tudo, em Cabo Verde gira sob a sua influência intelectual e à sua orientação se subordinam chefes de serviço e funcionários suplementares da Administração Civil local. Na sua actividade jurídica… igualmente imprime, com habilidade conhecida, o seu cunho de nítido desacordo com as instituições vigentes muito embora de concreto nada ou quase nada se lhe possa apontar.

Nunca Baltasar fez uso pessoal da extraordinária influência que tinha em Cabo Verde nem se serviu dela para pôr em prática qualquer projecto de poder político. A sua intervenção intensa nas mais diferentes esferas da vida em Cabo Verde foi sempre orientada por uma consciência cívica profunda, suportada por uma grande coragem e animada por um apuradíssimo sentido de justiça. É isso que fazia dele o grande Homem destas ilhas, um mito vivo. Uma figura larger than life como dizem os anglófonos.

Baltasar Lopes da Silva era um democrata. Resistiu ao regime de Salazar anos a fio como testemunha o seu dossier na PIDE, um dossier que abrange o período 1939-1974 e que revela Baltasar como o caboverdiano mais vigiado pela polícia política portuguesa. Usou as armas do Direito para combater o regime e atenuar o seu impacto na sociedade e nos indivíduos. A sua intervenção multifacetada na sociedade caboverdiana contribuiu extraordinariamente para que, mesmo num ambiente fechado e de repressão como foi o Estado Novo de Salazar, o sentido da caboverdianidade pudesse emergir e amadurecer e, com ele, a consciência da Nação.

Baltasar Lopes da Silva um democrata na linha da tradição republicana e liberal que inclui em Cabo Verde, designadamente, Eugénio Tavares, Loff Vasconcelos, Pedro Cardoso e cónego Teixeira, não podia aceitar o regime de partido único imposto logo após a independência nacional. Leão Lopes na sua tese de doutoramento sobre Baltasar Lopes: o homem arquipélago na frente de todas as batalhas fala desses anos: Baltasar viveu os seus últimos anos com uma profunda amargura, desiludido com o exercício do poder da geração que ajudou a formar e por quem abnegadamente também se sacrificou. Os perseguidos pelo novo regime, os caboverdianos tidos como anti-revolucionários e que contestavam restrições do sistema político do Partido-Estado em Cabo Verde, encontravam em Baltasar um confidente e algum conforto. Era tudo o que na altura Baltasar poderia oferecer. Todavia não deixou de participar no processo de construção do País, prova da sua disponibilidade política e cívica em benefício da afirmação das ilhas.

É facto que, na sequência das prisões de figuras relevantes no meio mindelense e santantonense em 1977, a sua mulher, Dona Teresa, foi interrogada pela Segurança, a polícia política do regime, e chegou-se a contemplar em certos círculos do regime a possibilidade de prender Baltasar. Mas, como no passado do salazarismo, o prestígio interno e externo dessa figura impar de Cabo Verde dissuadiu as autoridades de realizar esse abominável intento.

Sr. Presidente, senhores membros do Governo, colegas deputados

Neste dia em que comemoramos os cem anos do nascimento de Baltasar é importante que coloquemos na devida perspectiva a vida desse grande homem que, sem pedir nada, deu tudo para o seu país. Para que o seu exemplo de homem livre, de intelectual, de integridade e de apego aos ideias democratas e liberais reforce em cada um de nós a determinação para construirmos um Cabo Verde próspero, onde todos vejam salvaguardada a sua Liberdade e dignidade, e inspire a Nação para resistir e insistir na linha da caboverdianidade revelada, que nos faz únicos, sem diluições de qualquer espécie.

Exorto a todos que celebremos a vida de Baltasar Lopes da Silva, o mais ilustre de todos os caboverdianos.

Intervenção feita por um Deputado da Assembleia Nacional de Cavo Verde. Infelismente, o documento que nos chegou às mãos não veio assinado, pelo que não sabemos a sua autoria.

quinta-feira, abril 05, 2007

"A questão da geografia relacionada com a capacidade ou a competência dos artistas."

O Jornal On-Line Expresso das Ilhas (página da Cultura), na sequência do que agora se tornou moda nos jornais de Cabo Verde -> entrevistar artistas e procurar declarações bombásticas ->, entrevistou o meu primo Dani Mariano, músico, autor e compositor de belas canções e ex-vocalista/percussionista do grande grupo mindelense Kings.

A entrevista foi suave do início ao princípio do fim. No princípio do fim, o jornalista lança a isca e o Dani deixou-se pescar.

Basicamente o que aconteceu foi o jornalista ter tocado num ponto que abre a porta da galeria das asneiras e que fez com que o meu primo ficasse com a entrevista manchada.

Senão vejamos:

"(...) os melhores músicos estão em S. Vicente."
"(...) os melhores estão aqui. Existe algum pianista que toque também (*) a música cabo-verdiana como o Chico Serra, e ele vive no Mindelo; não há nenhum percussionista que toque como o Tey. "

É claro que afirmações deste tipo desencadeiam logo as mais diversas reacções.

Quero aqui transcrever extractos de algumas dessas reacções, inclusivé a minha, que espelham, na minha opinião, a forma como as coisas deviam ser vistas nesta altura do campeonato, em pleno século XXI.

João Gomes:

"É pena que ainda em 2007, ainda existam pessoas que vêem o mundo pelo único binóculo que possuem!
(...) Chico serra é um virtuoso? Voginha é extraordinário? Bau é um fenómeno? Sim, todos são isso mesmo, não porque moram no Mindelo, mas porque são, intrinsecamente, bons! E ponto final! "

Humberto Ramos:

"Na música nao existe melhor, pode existir diferente mas o conceito de melhor na música não existe, cada um tem o seu ouvido e ouve o que a sua limitação auditiva permite, logo não se pode falar de melhor."

Paló:

"Acredito que a melhor filosofia é pensar que CV tem produzido bons artistas ao longo da sua história, independentemente de serem desta ou daquela ilha. Pelo menos na minha óptica, é mais saudável para a mente, até porque essa do sampadjudo cu badiu já é "mesquinhice" a mais, démodé e deprimente."

Djinho Barbosa:

"Acredito que A TACV daria um grande contributo à Cultura se conseguisse baixar o preço das passagens aéreas. Isso iria permitir um maior trânsito para a música nacional e sobretudo maior interacção entre músicos. Precisa-se disto, até para ajudar o Dany a conhecer outros músicos de outras realidades..."

(*) Leia-se tão bem. E já agora uma pequena sugestão ao Expresso das Ilhas: mais atenção à gramática, à acentuação e à pontuação.

PRÓ-PRAIA

A Pro Praia vai um dia desses fazer uma tocatina, juntando toda a velha guarda do violão e cantores que vivem na Praia para darmos mais vida ao Platô. A intenção é fazer isso uma vez por mês.
Faremos isso na pracinha di scola grande.
Essa intenção vai no sentido de dar vida ao Platô que após as 6 da tarde, vira fantasma, ao contrário do que acontecia há uns anos atrás.
A contrário do que muita gente pensa, tamtém havia o hábito de passear nas praças e muita sola de sapato se gastou a ir e a vir e, quando alguma gata caía na nossa rede, íamos para atrás da igreja catolica roubar um xuac.
E isso durou ate por volta de 1987/8.
Depois as pessoas começaram a fazer casas fora do Platô e foram emigrando para outros bairros e pronto... nosso Platô foi desertificando."

Divagando

Se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto,
ele seria honesto ao menos por desonestidade.

João José Gomes