sábado, outubro 28, 2006

NÃO PERCO NOITES, GANHO MADRUGADAS

“Não perco noites
ganho madrugadas”
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Gabriel Mariano
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Bazófia?
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Estes versos
são aqueles que há muito
gostaria de os ter feito
para ti.
.
Em ti
tens tatuado um coração
por vezes tolo
tens a camisa aberta
à ternura do luar
por vezes lírica.
.
És branco demais para o meu gosto.
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Porém
És do mar e do batuque
És um dos coqueiros da praia das sete ondas
não sabes soprar o búzio
das atlânticas águas
Todavia
gostas do seu chamamento
como um dia, ainda criança, eu fiz.
Como disse
estes versos são teus
como para ti
É esta madrugada de lua cheia.
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9/11/05

João Mariano

quarta-feira, outubro 25, 2006

PEQUENEZ OMNISCIENTE

“Pequenez omnisciente”
O mediatismo do ridículo
Mais uma divagaçãozita…
Vai daí, nasceu uma congregação de atitudes para tentar (ou não!?) qualificar o inqualificável! Os acontecimentos recentes, sobre o “pequeno famoso grande músico”, impulsionaram muitos formadores de opinião anónimos, incluindo eu, reconheço, a dizerem de sua justiça.
Questionável será, por isso, todo este mediatismo à volta desta figura, que há quem diga ter sido o estratega do enredo. Na minha humilde opinião, não lhe reconheço tamanha capacidade cerebral.
Sinceramente, custa-me ficar calado. Quem não quiser “ouvir”… que se cale (sem ofensa!)!
É tão triste quando o pior da essência humana – pequenez de princípios, arrogância, ignorância (por recusar ostensivamente adquirir ou assimilar conhecimento, note-se!) - consegue sobrepor-se à humildade, uma das maiores, senão mesmo a maior virtude que acho existir nos racionais.
Fico triste por ter amigos e colegas que partilharam e partilham juntos caminhos árduos, de luta, de sobrevivência até neste mundo musical de extrema exigência profissional e estão agora de costas voltadas, perante atitudes de profunda falta de respeito, já nem digo pelo colega, mas sim pelo amigo.
Será possível que, na mutação constante em que o nosso planeta vive – para pior, infelizmente – ainda haja tempo para tanta hipocrisia, tanto complexo de inferioridade, tanta falta de bom senso, que obriga o semelhante a fechar-se numa concha feita de nada, achando o umbigo o centro do Mundo?!?
Sofrendo de “pequenez omnisciente aguda”, temo um futuro pouco risonho e efémero a esses pobres coitados. Mas enfim, a vida tem regras próprias e será ela a determinar a respectiva penitência.
Expurguem as patetices, as palmadinhas nas costas de Judas e as condescendências misericordiosas. Sejam homens de uma vez por todas, assumam com dignidade os podres das vossas posturas e tenham – aí vem ela, a palavra – a humildade, para corrigir e pedir perdão quando for esse o caso.
Será que esta carapuça vai servir a alguém? Tenho a consciência, a certeza que sim! Já experimentei na minha e não serve. Quem me conhece, sabe que não serve.
Conforta-me constatar que ainda são mais os bons que os maus.
Bem hajam… os que desejarem e tiverem essa capacidade, claro!
Zé Afonso.

ESTUPEFACTO II

Mastigadas, engolidas e digeridas que foram as declarações do meu amigo e colega de profissão, ex-colega do grupo FINAÇON Quim Alves, venho por este meio e como não podia deixar de ser, deixar aqui algumas considerações.

A humildade nunca foi o forte deste homem. Já nos idos tempos de 1992 se notava isso quando passei a conviver mais de perto com Joaquim Alves, teclista dos Finaçon. Na altura, as papaias que o Quim mandava boca fora, eram imediatamente contra-argumentadas pelos restantes membros do grupo, na altura Zeca e Zezé di nha Reinalda, Dicky di Ano Nobo, Nelson Costa, Zé Augusto, Vavá di Santinha e eu próprio.
Quando em 1995 fomos para os EUA, a convite do partido político PCD (lembrei-me agora que ficaram a dever-me dinheiro por não terem pago todos os concertos que lá fizémos), o Quim e o Dicky não regressaram com o grupo (o que ajudou no desmoronamento dos Finaçon que nessa altura já estava frágil por outros motivos). Portanto, a "ida" do Quim para a América não foi em 1992, conforme disse na entrevista.

Aproveito a oportunidade para deixar aqui um apelo a quem souber, para fazer o favor de escrever. É o seguinte: em quantos anos se formam engenheiros de som? Passo a explicar:

Já há muito tempo que oiço dizer que o meu amigo Quim se formou em engenharia de som (oiço dizer, porque a mim ele não me disse). Ora, juntando dois mais dois e, se um curso de engenharia de som for mais do que três anos, o Quim não pode ter feito esse curso, pois o tempo que ele esteve nos EUA, não foi superior a três anos. Quando muito terá feito um estágio com alguém ou com um Engenheiro de Som. Mas eu gostaria de ver esse assunto esclarecido, quanto mais não seja para o aumento da minha cultura geral.

A verdade é que os anos foram passando e o meu amigo Quim foi trabalhando. É verdade. Fez muita coisa. Produziu inclusive um disco do Bana -> Livro Infinito. Óptimos arranjos, pese embora o facto de pairar sobre esse disco uma nuvem negra sobre a veracidade do verdadeiro autor desses mesmos arranjos. Mas estão muito bons. Só é pena serem da mesma filosofia que o disco anterior, o Girasol, produzido pelo Ramiro Mendes. Acredito que nem o Bana merecia ter dois discos com arranjos semelhantes, nem o Quim tinha necessidade de seguir essa linha, uma vez que capacidade não lhe falta, isso não.

Montou um mini-estúdio na Cidade da Praia, produziu em pouco tempo uma quantidade inacreditável de discos, plagiou-se a si próprio nos arranjos, mas de qualquer das formas ajudou muita gente a "gravar um disco" –> coisa corriqueira hoje em dia.

Mas o meu amigo Quim Alves tornou-se vaidoso, olhando só para o seu umbigo. E essa vaidade tornou-o irresponsável no que toca a afirmações públicas.

Como pode o meu amigo Quim afirmar que "(...) Não há nenhum produtor executivo que iria aceitar financiar um disco como este. É um trabalho muito vasto... " Quanto terá custado este disco? Não há disco nenhum que possa ter custado mais? No mundo inteiro?

Como pôde o meu amigo Quim ter afirmado que ter participado na formação de outros agrupamentos musicais apenas lhe trouxeram"...Mais horas de música... O único deles que realmente criei, desenvolvi, estudei, estudamos em conjunto, foi o Abel Djassi. Nos outros, fui dar o meu conhecimento, não fui aprender nada." Então ele não aprendeu nada? Já sabia tudo? Em quatro ou cinco anos de convivência nos Finaçon, ensaios, concertos, não houve nada a nível musical que ele tivesse assimilado? Quantos anos tinha o Quim em 1994? Eu tinha 30. E o Quim é da minha geração. E ninguém, mas ninguém pode afirmar ter atingido o total conhecimento, seja em que matéria for. E mesmo que isso fosse possível (e verdade), isso demonstra uma total ausência de respeito pelos colegas do grupo Finaçon e pelos colegas dos outros grupos que existiam naquela altura.

"No estúdio eu não preciso de ninguém. Somente para fazer intercâmbios, essas coisas, mas no meu disco fiz questão de tocar todos devido à precisão. Não é fácil, as pessoas não sabem como tocar uma bandeira, um canizade, tabanca, como tirar o tambor para meter na guitarra... "

Será que não existe ninguém em Santiago, ou em Cabo Verde, ou mesmo na comunidade Cabo-verdiana espalhada por esse mundo fora em quem o meu amigo Quim possa confiar e pôr nas mãos a responsabilidade da execução de um instrumento no disco dele? Que raio de música então é esta? É assim tão difícil? As pessoas não sabem como tocar uma bandeira? Olha, eu por acaso até sei. E como eu deve haver mais que muitos por aí…

Como pôde o meu amigo Quim afirmar que a cultura de Cabo Verde é pixinguinha? Pixinguinha é um termo que foi inventado pelo povo e significa prostituta, Maria-vai-com-todos, a que “faz amor falsificado” ou "financiado", se preferirem.

Penso que aqui ele terá confundido o termo “Cultura” com “Música”, mas mesmo assim é de uma carga insultuosa sem limites. E o pior é que a explicação dada por ele ao termo utilizado… não explica o termo utilizado! Mas sobre isso, não vou estender-me, pois este termo já suscitou as mais variadas posições (como aliás se pode ler nas reacções ao artigo apresentado pelo jornal asemana online: http://www.asemana.cv/).

Sinto uma enorme pena do meu amigo Quim e ao mesmo tempo dá-me raiva dos que, em vez de o ajudarem, massajam-lhe o ego.

Um músico divide-se em executante da música através do instrumento (e quanto a isso o Quim não tem defeitos) e pela pessoa, pela formação, pela educação. Nesta parte, o meu amigo Quim peca e peca grandemente.
Fiquei desiludido.

ESTUPEFACTO

"Mas para fazer um disco como este, são muitas horas de estúdio. Se eu não tivesse o meu próprio estúdio não seria possível. Não há nenhum produtor executivo que iria aceitar financiar um disco como este. É um trabalho muito vasto... "

"No estúdio eu não preciso de ninguém. Somente para fazer intercâmbios, essas coisas, mas no meu disco fiz questão de tocar todos devido à precisão. Não é fácil, as pessoas não sabem como tocar uma bandeira, um canizade, tabanca, como tirar o tambor para meter na guitarra... "

"Não precisa de diapasão para afinar, se desafinar um bocadinho já se percebe logo, se uma coisa cai no chão eu consigo dizer qual é a nota. Tenho a afinação naturalmente dentro de mim, é um dom. "

"(...) Depois veio Sodade, Voz d’África, Abel Djassi, Tubarões, Finaçon. E aí fui para os Estados Unidos, em 1992.

E esses grupos, o que lhe trouxeram?
"Mais horas de música... O único deles que realmente criei, desenvolvi, estudei, estudamos em conjunto, foi o Abel Djassi. Nos outros, fui dar o meu conhecimento, não fui aprender nada. "

"Costumo dizer que a cultura de Cabo Verde é uma cultura pixinguinha."
O que quer dizer com isso precisamente?
"Consegue-se meter tudo na música cabo-verdiana e ela recebe. Numa morna pode-se meter jazz, acordes de bossa nova, de música africana, erudita ou rock, dentro de um funaná ou de um batuque. "

Palavras do Quim Alves na entrevista dada a ASemana Online.

Estou aqui há uma hora com este texto à minha frente e não consigo encontrar palavras que expressem a minha indignação, o meu espanto.

Pura e simplesmente não consigo fazer um único comentário.

Não consigo!!!

Paló
Lisboa, aos 30 de Setembro de 2006

TENHAM VERGONHA!!!

MEUS SENHORES E MINHAS SENHORAS: TENHAM VERGONHA!!!
Tenham vergonha pelo facto de faltarem ao respeito.
Tenham vergonha por mostrarem tamanho desdém a quem, com todo o amor e carinho, vai dar o seu contributo para que a vossa refeição seja mais agradável.
Os músicos e artistas que se apresentam durante um Jantar-Concerto apreciam que lhes seja dada alguma atenção. Aliás, como a própria palavra diz, Jantar-Concerto, ou seja, não é uma “tocatina”, não uma serenata nem é num bar ou tasca. É num restaurante. E não é um restaurante qualquer.
Há quem pergunte: “Como é nas casas de fado? É assim? Não é, com certeza.”
Mas eu não pretendo ir por aí.
Pretendo apenas deixar aqui o meu profundo desagrado pela Vossa total falta de respeito que ultimamente tenho reparado.
Sinto-me triste quando vejo pessoas colunáveis, pessoas que aparecem em jantares com Presidentes da República e Primeiros-ministros nas revistas in da sociedade, senhores e senhoras que, em apenas nos 45 minutos da duração do evento, despem-se dos seus fatos high-society (?) e mostram tudo aquilo que na realidade são.
São telemóveis, são risadas, são brindes em voz alta e de pé…
Tenham dó, meus senhores e minhas senhoras. Tenham dó!
Mostram não estarem interessados, mostram-se incapazes (o que é pior) de respeitar o próximo, o vizinho da mesa ao lado que tem interesse e que quer aproveitar a ocasião.
Peço desculpas pela franqueza e extremismo, mas se não estão interessados, procurem outras casas que se adaptem mais ao Vosso género!
Não peço (e nem me passa pela cabeça) silêncio absoluto. Mas façam o obséquio de conversarem mais baixo. Afinal de contas são só 45 minutos.
Talvez se pensassem na situação inversa, teriam outro tipo de comportamento. Sempre queria ver como reagiriam se fosse a Vossa vez de estarem interessados em ouvir um determinado artista e o vizinho do lado se pusesse com brindes em voz alta, anedotas, ou se levantasse 2, 3, 6 vezes e passasse à vossa frente para ir atender o telemóvel à rua.
Tenham modos, senhoras e senhores.
Paulo de Figueiredo
Lisboa, 13 de Setembro de 2006

TERRA LONGE E DIÁSPORA

À memória de Adriano St. Aubyn que tanto amava S. Vicente e as suas gentes.

Dizem os livros que diáspora é um termo clássico grego, consagrado para significar a dispersão do povo de Deus entre os gentios e as próprias regiões onde os israelitas se encontravam espalhados, irados ou cativos.

Inicialmente a palavra incluía a ideia de castigo e rejeição de Deus. Posteriormente diáspora era sinónimo de dispersão de minorias judaicas pelo mundo helenista como contributo para a história e o progresso do mundo, disseminando o degredo.
zA diáspora é um fenómeno particularmente estático, ao contrário da emigração que, no uso dos nossos dias é dinâmico e referente a indivíduos.

Posto isto, cabe-me perguntar: o que é que a diáspora, a dispersão dos judeus, tem a ver com a emigração dos Cabo-Verdianos? Cabo Verde na diáspora é uma frase elitista, o seu autor achou-a bonita, impingiu-a a todo o mundo sem se cuidar de verificar se ela tem ou não alguma analogia com a realidade do Cabo-Verdiano pelo mundo fora. Gostou da palavra, foi amor à primeira vista, nem reparou se se tratava de uma paixão contranatura, se a noiva sofria de alguma doença, se era virgem, estéril ou parida com filhos de quarenta pais fora passageiros.

O Cabo-Verdiano, o povo emigrante não vive na diáspora, nem sabe o que é a diáspora, ele conhece é a terra longe e, quando parte, não vai tomar posse de nenhuma terra para nela lançar raízes que, diga-se de passagem, nunca transporta consigo, não vai comprar terras para semear milho, feijão, batata, plantar mandioca ou criar galinhas, porcos e cabras. O cordão umbilical fica preso à sua terra porque o sonho da partida e do regresso coabitam desde a primeira hora no seu espírito. Nestes termos, eu propunha a substituição da palavra diáspora por terra longe.

Quem anda na diáspora são os retornados de Angola, da Guiné ou de Moçambique, para esses a terra prometida não é Cabo Verde, vivem dispersos pelas esplanadas, nos cafés de Lisboa, procurando Jerusalém no fundo das chávenas ou nas conspirações histéricas e inconsequentes contra tudo e contra todos e, para variar, cortando até na casaca do patrício que passa ao longe com uma branca a tiracolo. Os mais descarados, os mais hábeis em ordenhar as tetas magras da mamãe terra, os mais capazes de tirar leite mesmo das partes pudicas dum boi, quando regressam tomam partido dos que comem no tacho e nunca dos que apenas sentem o cheiro da comida.


O Cabo-Verdiano, o emigrante anónimo tem outra postura quando está na terra longe, não vive especado espreitando na esquina da vida o destino dos outros povos porque tem um caminho a seguir, um rumo traçado na rosa-dos-ventos e uma meta a alcançar, Cabo Verde está sempre na sua linha do horizonte. O emigrante, aquele que parte com os bolsos vazios e o coração cheio de fé e de esperança tem apenas uma ideia, trabalhar duramente, por isso não se intromete na política do país que o acolhe, não conspira, não fomenta a divisão de classes, não cultiva o racismo, não é uma chaga social, não se organiza com o fim de a curto ou longo prazo interferir na governação do país onde vive de empréstimo, com o peso de uma possível chantagem económica como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos da América do Norte, com uma determinada raça.

O Cabo-Verdiano parte à procura de qualquer trabalho compensador, seja ele qual for e, graças à sua grande capacidade de adaptação ao meio em que passa a viver, dá o seu contributo, recebe o seu salário, guarda uma parte e só pensa em regressar para ficar.

Pergunto agora, ficar como? Ele quer ter uma casa, montar um negócio, porque o dinheiro que trouxe, se não for movimentado acaba um dia, não se autoengravida, não se multiplica. O emigrante quer ver dinheiro que ganhou lá fora valorizado no seu país, não quererá vê-lo trocado por um papel que lhe faça lembrar as senhas que circulavam nas roças de S. Tomé. O escudo Cabo-Verdiano, no que respeitava ao câmbio não encorajava ninguém, havia um certo descuido com as divisas enviadas pelos emigrantes, era uma fonte que tendia a secar. Felizmente que hoje, com os acordos assinados, as perspectivas são óptimas. Quanto ao regresso final à terra de onde partiu um dia cheio de saudades mas animado por um legítimo sonho, a tendência é pensar duas vezes; ele quer voltar e viver em conformidade com os seus anseios, viver contente consigo próprio e com o mundo que o rodeia, sem recalcamentos, sem angústias, sem medo de fantasmas de amanhã. Voltar ou não voltar, eis a questão, se por lá ficar, sabe que tem de enterrar com amargura os seus sonhos, sente uma certa frustração por não poder, finalmente, justificar a razão da sua partida.

É constrangedor e revoltante ter que viver sempre num país estranho sob o estigma do sim senhor. Se optar por voltar, ele quer vir e sentir que é gente e poder, assim, ter a sua própria independência. Acontece que a independência que lhe dá o seu país não lhe serve, a independência de um povo não se consubstancia num regime democrático que o governa, não está na tribuna livre de um jornal, numa estação de televisão, nos microfones de uma estação radiofónica ou no ensino patético do crioulo nas escolas, a independência de um povo está no seu bem estar social, no fumo permanente dos chaminés das casas, na caldeira ao lume, no aproveitamento da sua força física e mental e no seu equilíbrio familiar, no sorriso das crianças e na segurança dos mais idosos. A independência de um povo está na comparticipação do usufruto das riquezas da sua terra.

Dizer que Cabo Verde é pobre é conformismo dos pobres de espírito, esses são estrábicos e teimosos, recusam-se frontalmente a pensar que para além do seu horizonte visual há qualquer coisa de positivo, há qualquer coisa de bom e de útil por explorar, implementar e fomentar, qualquer coisa que possa substituir a malfadada chuva que ao longo dos anos tem servido de desculpa aos responsáveis quer pela governação, quer pelo destino do povo das nossas ilhas. Contar com a chuva é contar com sapato de defunto. Vive-se e morre-se sob o signo da chuva, a chuva serviu bem os devaneios dos coronéis da literatura claridosa, bem como os desmandos e derrapagens políticas dos comandantes da nossa terra. A chuva deve ser considerada simplesmente como um complemento dos recursos naturais de Cabo Verde.


Não cabe aqui questionar sobre as nossas riquezas, se vêm sendo exploradas com eficiência ou se alguma ainda repousa calmamente no leito dos mares do arquipélago. É assunto para discutir numa outra estação, porém, convém frisar que a exploração de todas essas riquezas, mesmo a 100% não absorverá toda a mão-de-obra disponível e muito especial a de certas zonas superpovoadas de Cabo Verde, por exemplo, como a cidade do Mindelo. Uma gota humana faz transbordar o cálice cheio de uma sociedade compacta. A Europa, no decorrer dos anos tem sido o eldorado da emigração Cabo-Verdiana. Longe vai o tempo da América, Argentina e Dakar (Senegal), depois vieram Holanda, França e Luxemburgo e agora Portugal. Foi a hora da partida, está chegando a hora do regresso porque terra longe tem gente gentio e gente gentio come gente.

O acordo de Schengen exige uma Europa só para os europeus. Aquela Europa que invadiu a África, alterou as suas fronteiras naturais, explorou e massacrou todo o seu povo, não quer o africano percorrendo as suas ruas, habitando as suas casas, trabalhando nas suas roças ou transando com as suas mulheres. Os que ali estão legalmente vão sobrevivendo mais pela graça do sim senhor do que pelo apoio das autoridades locais, das associações ou ainda das representações consulares.

No caso específico de Portugal, há que ter em conta duas gerações e a segunda geração não é uma geração de marginais. A sociedade é que a empurra para as margens, fazendo-a sentir-se deslocada e injustiçada. Nos fins de semana a tendência é libertar-se da angústia e do recalcamento que a sufoca. Nessas ocasiões surgem as provocações, a minoria contra uma maioria que ataca em alcateia, então as pessoas, quando espezinhadas, humilhadas, ameaçadas, encurraladas só pensam em salvar a pele mas, primeiro querem deixar a honra lavada recorrendo ao sangue como detergente possível.

Na outra face da moeda, porém, temos o problema dos que compulsivamente regressam mas, que venham na crista das ondas, no dorso das tartarugas gigantes, nas asas das águias marinhas ou nos tapetes mágicos de todas as arábias do mundo, que o bom regaço da mamãe terra os receberá com calor e abrangência. Que venham também os que vivem na diáspora visitar esse Cabo Verde que os filhos que estiveram na terra longe ajudaram a criar com muito "sim senhor", com suor e mar salgado no rosto, que venham todos com um sorriso nos olhos e dizer "sim, mamãe terra, nós estamos todos aqui ao pé de ti.


DANTE MARIANO
05/10/1932-05/02/2001

DJODJI

Sinto-me Feliz. O Djodji lançou um disco. O meu menino Fernando Jorge lançou um disco… Que “sabura”!

E com toda a modéstia ele diz na entrevista: “É o meu contributo para a música de Cabo Verde.”

Fico feliz. E tenho razão para tal.

Em 2002, quando eu trabalhava no Hotel Praia Mar, num belo Domingo de sol, na piscina deste hotel, estava eu a fazer os turistas e caboverdianos da média/alta sentir “sabe”, quando apareceu um miúdo que quis cantar juntamente com uma Girls Band que tinha ido de Portugal, por altura do Festival da Gamboa desse ano.
Alguns meses mais tarde, esse miúdo foi-me apresentado e fiquei a conhecer o Djodji.

No ano seguinte, o Djodji teve a amabilidade de me convidar para acompanhá-lo ao baixo no festival de Santa Maria, Ilha do Sal. Com todo o gosto aceitei, porque via naquela coisinha fofa um potencial enorme e o tema “m’ crê voltá” andava na berra, sendo garantida, por causa deste tema, a presença no concerto de inúmeras fãs (maioritariamente).

Os TC já existiam, mas precisavam de mais músicos e foi assim que surgiu o convite à minha pessoa e ao teclista dos Tubarões, Zeca Couto.
A nossa diferença de idades (minha e do Zeca) em relação ao grupo TC era notória. O Zeca já era familiar, tinha um tratamento de “tio Zeca” por parte do Djodji. Mas a mim fazia-me confusão aquele “senhor Paló”, “você pr’aqui, você pr’acolá…” Até que um belo dia o menino Djodji pediu-me autorização para me tratar por tu… “Mas claro que sim, rapaz, já não era sem tempo…” disse-lhe eu. “Sim”, gaguejou ele, “mas por uma questão de respeito…” “Não há falta de respeito no tratamento por tu. Tu sabes diferenciar o bem do mal, sabes que não deves faltar ao respeito. Então, desde que não o faças, está tudo bem.”

Pois bem! A partir deste dia, passámos a ser mais friends e a adorar-nos cada vez mais.

Mas também o grupo ficou dividido em dois: os TC e os MV (Mais Velhos -> eu e o tio Zeca)… Por uma questão de respeito... hehehe… Ideias dos miúdos…

O show na Praia de Santa Maria ficou na memória de todos.
Nunca pensei chegar a ver o que vi nessa noite. Delírio total. À chamada do Djodji and TC ao palco, desmaios à Beatles, miúdas a serem transportadas nas alturas de braço em braço até chegarem aos paramédicos que em vão tentavam furar a multidão, o povão todo a cantar as letras dos TC, enfim, coisas que só se viam em concertos de grandes vedetas, Michael Jackson & Cia…

Um outro pormenor que não posso deixar de referir, foi o assédio das fãs quando saíamos do palco. Foram mais de 45 minutos para andar os poucos metros que separavam o Back-Stage da viatura que nos levava de volta ao hotel. Centenas e centenas de jovens fãs do sexo feminino, gritavam pelo Djodji que se desdobrava em mil para atender e entender (quanto a mim) toda aquela massa humana em delírio.

A situação era tal que tive que dar uma de body-guard, não fosse uma fã mais desvairada provocar danos físicos no meu menino…

No meio desta balbúrdia, duas situações marcaram-me:

Uma fã desesperada tinha caneta na mão, mas não tinha papel. Queria desesperadamente um autógrafo do Djodji. “E onde escrevo?”, perguntava o Djodji, completamente desorientado (eu diria até assustado!) perante a reacção inesperada daquela multidão. A fã, num acto de loucura e desespero, perante a possibilidade de perder a oportunidade de um autógrafo, agarrou no decote da blusa que trazia, desceu-o até ao umbigo, revelando uns seios-de-menina-moça-recém-formada e disse autoritária: “Escreve aqui!!!”

A outra situação:
Quando finalmente nos aproximávamos da viatura, uma senhora na casa dos quarenta tocou-me no braço e disse-me tristonha: “A minha filha está aos prantos, quer ver o Djodji mas não vou pô-la nesta confusão. Vê se consegues que ele a fale.” Lá consegui gritar mais alto que a multidão para que o Djodji entendesse o recado. Acto contínuo ele quis ver a miúda. Fiz sinal à senhora e arranjei maneira para que ela e a filha passassem por um corredor de gente até chegarem ao primeiro actor daquela noite…

O que se passou de seguida foi de uma ternura indescritível. A menina tinha pouco mais de cinco anos, chorava baba e ranho de todo o tamanho. O Djodji pô-la ao colo, consolou-a, limpou-a, abraçou-a e foi abraçado com muita força pela criança. Um acto de ternura e amor no seu mais simples exemplo…

Sim Senhor. Maravilha.

Depois deste sucesso, sempre que possível, tive o prazer de tocar com este grupo, o que aconteceu inúmeras vezes até finais de 2004, quando decidi sair de Cabo Verde.

Em Janeiro deste ano, em Lisboa, recebi um dia uma mensagem no telemóvel, mensagem essa que, confesso, demorei um bocadinho a perceber, pois estava escrita com abreviaturas (a maior parte delas não conhecia). Mas depois de por a cabecinha a trabalhar, lá percebi que a mensagem era do Djodji e ele propunha-me 3 dias para participar nas gravações do disco. Desses 3 dias só tinha disponibilidade para um deles e, no Domingo 22 de Janeiro, fomos para os Estúdios da Praça das Flores, numa tarde de completa descontracção, amizade e música, onde gravei umas guitarras eléctricas e uns cavaquinhos.

Ao longo destes meses, as boas novas iam-me chegando aos ouvidos, através de outros músicos que também participaram no CD: “Tá muito bom, o disco, mesmo muito bom…” Eu só podia ficar contente.

Em Junho, por ocasião de uma visita minha a Cabo Verde, o Djodji disse-me: “O disco está pronto!!!” Finalmente!!! O lançamento iria ser numa data posterior ao meu regresso a Lisboa, pelo que, com muita pena minha não pude participar.

Mas como o Caboverdiano não deixa de dar novidades, lá consegui saber que tudo correu bem. Ainda bem. Ainda bem porque para quem se tornou, à força dos ensaios, dos concertos, das brigas, das angústias e das alegrias, meu filho adoptivo, um anito mais novo que o meu primogénito, só posso querer tudo de bom.

E fui mais longe, Fernando Jorge. Quando li a tua entrevista no Jornal A Semana, foi com muito orgulho que te dediquei uma lagrimazinha da minha privada comoção que senti no momento.

Sucessos e tudo de bom na tua vida.

Teu fã.

Paló